princípio da linguagem dialógica é alicerce da produção de conhecimento na educação a distância. No entanto, ainda desafia muitos professores, que foram, ao longo da carreira docente, capacitados para o desenvolvimento de uma escrita mais impessoal, com foco na neutralidade e distância do leitor, característica do discurso acadêmico/científico.
Na produção escrita para materiais instrucionais, no entanto, recomenda-se fortemente o uso, por exemplo, da primeira pessoa do plural (nós) ou segunda pessoa do singular (você). A dúvida é: qual a diferença entre as duas formas e como isto se relaciona com o processo de ensino e aprendizagem?
O professor autor será o produtor de discursos e saberes, mas que, muitas vezes, como afirma Bakhtin (1992), não será o primeiro a falar dele. O objeto já foi falado, esclarecido outras vezes. Caberá ao professor autor estabelecer a conexão entre os saberes e fazeres e também com seu interlocutor, considerando as interações verbais e de tratamento nesta relação com o outro.
"O objeto do discurso de um locutor, seja ele qual for, não é objeto do discurso pela primeira vez neste enunciado, e este locutor não é o primeiro a falar dele. [...] Um locutor não é o Adão bíblico" (BAKHTIN, 1992 [1952-1953], p. 319).
Como material referencial, um e-book de uma unidade curricular, ou disciplina, por exemplo, está sujeito ao tempo e à incompletude daquele que também o produz, no caso, o professor. O discurso dialógico conserva, ainda, a diversidade de vozes sociais que o compõem e que estão em constante mudança.
Por outro lado, os professores autores escrevem de modo a estarem, continuamente, conversando com o aluno, em um diálogo amigável, empático e encorajador. Nesse diálogo, inclui-se sugestões, orientações a respeito do que fazer, servindo de reforço e incentivo aos estudantes para que sigam em frente.
Eu e ele ou eu e eles?
Na construção imaginária da escrita, o professor autor conversará com o estudante ou com os estudantes, deixando claro sua intenção ao se referir individualmente ou coletivamente. Neste sentido, em que circunstâncias é mais indicado o uso da primeira pessoa do plural ou da terceira pessoa? Como se dá a intenção da linguagem dialógica pelo uso do sujeito no material instrucional?
Durante o processo de escrita, considere:
1. Tratando-se de um curso a distância, autoinstrucional, o estudante se verá sozinho com o professor no percurso. Assim, utilizar expressões mais direcionadas para aquele aluno pode ser interessante, já que o indivíduo se sobrepõe ao coletivo. Por exemplo:
"Que bom que você está aqui"!
"Você deve estar se perguntando…"
"Não se preocupe, vou te ajudar…"
2. No caso de cursos que se formam turmas, em que há o interesse do pertencimento e engajamento do estudante com outros, pode ser interessante que, em alguns momentos, a linguagem envolva e promova tal engajamento coletivo. Por exemplo:
"Vamos juntos desvendar os mistérios da mente humana"
"Caminharemos por várias etapas e nos encontraremos ao final do percurso…"
"Veremos como o estudo direcionado apoiará"...
3. Em alguns momentos, quando o professor autor quer se aproximar do leitor e mostrar-se integrante do seu processo de aprendizagem, a utilização da primeira pessoa do plural (nós) promoverá maior proximidade com o leitor. Por exemplo:
"Vimos a importância do estudo da linguagem".
"Estaremos juntos nesta jornada rumo ao conhecimento"
"Encontraremos desafios na atuação prática que podem ser resolvidos…"
4. Em outros momentos, pode ser importante relembrar ao estudante seu papel ativo no processo, convocando-o a prestar a atenção e focar no que é importante. Por exemplo:
"Aqui, você poderá colocar em prática o que aprendeu seguindo estes passos".
"Não fique em dúvida, nesta etapa é importante que fique claro como este processo acontece".
"Observe este ponto, ele será fundamental para a sua formação profissional".
Assim, na construção do discurso para materiais instrucionais, é importante ponderar a convocação do estudante, considerando as duas formas e a intencionalidade pedagógica por trás do discurso. A saber: aproximar, engajar, personalizar, encorajar, motivar… permitindo ao professor que oscile entre o uso do você e do nós da elaboração do discurso dialógico.
Referência Bibliográfica:
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso (1952-1953). In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão Gomes e Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 277-326.